Categoria - Capelania

O DNI COMO FERRAMENTA DE CRESCIMENTO DE IGREJAS

Nelson Gervoni

Há anos que o meio evangélico conta com uma importante ferramenta de diagnóstico e projeção de desenvolvimento de igreja.

Trata-se do projeto conhecido como DNI – Desenvolvimento Natural da Igreja, que já alcançou um elevado número de igrejas em outros países e também no Brasil.

Após “Dez anos de pesquisas [entre as décadas de 1980 e 1990], em mais de 1.000 igrejas espalhadas ao redor do mundo em 32 países”[1] distribuídos entre cinco continentes, o teólogo alemão Christian Schwarz encontrou as respostas para a sua principal pergunta: O que há de comum nas igrejas que se desenvolvem? Ou: O que leva uma igreja ao desenvolvimento? Ouvindo milhares de membros de igrejas pequenas e grandes, históricas e novas, tradicionais e pentecostais, grandes e pequenas, denominacionais e novas comunidades, igrejas que crescem e que decrescem, a pesquisa descobriu oito fatores de desenvolvimento, chamadas por Schwarz de “marcas de qualidade”, como veremos adiante.

De elevada qualidade científica e se valendo de um arsenal metodológico da ciência social e considerando que a igreja enquanto realidade espiritual está acessível não somente à teologia, mas também às ciências sociais[2], seu autor explica que esse estudo tornou-se o mais abrangente projeto de pesquisa que já foi realizado sobre as causas do crescimento de igreja. Inicialmente igrejas de 32 países participaram do projeto. O questionário que 30 pessoas por igreja responderam foi traduzido para 18 idiomas. Desde então acumulamos dados de 50.000 igrejas, representando 70 países. Mais de 170 milhões de respostas individuais foram avaliadas.[3]

A partir dessa descoberta o teólogo luterano desenvolveu uma metodologia de desenvolvimento de cada uma das marcas de qualidade através de treinamentos e livros publicados em diversos países e idiomas, inclusive no Brasil, pela Editora Evangélica Esperança.

O DNI e os modelos de igrejas e formas de governo eclesiástico

São três as principais formas de governo eclesiástico entre as igrejas cristãs não católicas: episcopal, onde um pastor ou bispo preside sobre várias congregações ou igrejas locais (é o caso, por exemplo, das Assembleias de Deus); congregacional, onde os membros congregados tomam as decisões mais importantes, geralmente por votação, como os batistas tradicionais; e presbiterial, onde uma junta de pastores e presbíteros — presbitério — decide os sobre os assuntos da igreja, como são os presbiterianos. Há quem fale em outros modelos de constituição como o primacial, onde o primaz (o líder) tem autoridade suprema, como na igreja Católica Romana e o sinodal, onde o sínodo (reunião de Bispos) é a suprema autoridade. Além da forma de governo existem os modelos de igreja como rede ministerial, igreja em células, igreja com células, igreja com propósitos, igreja em ministérios, entre outros.

A metodologia desenvolvida por Schwarz e sua equipe não entra em choque nem com as formas de governo, nem com os modelos de igreja, pois as marcas de qualidade, oito ao todo, se adéquam ou se aplicam a qualquer um deles. Talvez por essa razão “Hoje, existem ministérios nacionais de DNI em 70 países e mais de 50.000 igrejas iniciaram o seu próprio processo de DNI”.[4] Entre esses países está o Brasil e centenas de igrejas que experimentam o método do teólogo alemão.

Liderança capacitadora

A primeira marca de qualidade das igrejas que crescem — indicada pela pesquisa de Schwarz — é a Liderança capacitadora. É o tipo de liderança eclesial focada no desenvolvimento de pessoas. Um estilo de liderança mais preocupada com pessoas que com as coisas. É a liderança que constantemente gera novos líderes.

Schwarz constata que as lideranças das igrejas que experimentam crescimento são aquelas que se empenham na capacitação de pessoas para o ministério. É o tipo de líder que não se vale dos seus liderados para a realização de projetos pessoais. Ao contrário, seu estilo de liderança opta por ajudar cada cristão a alcançar a vontade de Deus para cada crente.

Dentro dessa concepção a liderança investe “grande parte do seu tempo em discipulado, delegação e multiplicação. Assim, a energia investida por eles pode multiplicar-se quase infinitamente. […] É dessa forma que o poder de Deus é liberado, em vez de se tentar pôr em movimento a igreja por meio de forças humanas […]”.[5]

Esse estilo de liderança reúne seis princípios fundamentais como visão, experimentação, capacidade, estratégia, treinamento e progressão, através dos quais o líder desenvolve sua estratégia de ação.

Ministérios orientados pelos dons

É surpreendente o percentual de cristãos que desconhecem os dons que receberam do Espírito. Quando, informalmente, numa palestra ou estudo perguntamos a um grupo de crentes quais os dons espirituais que receberam, constatamos que a grande maioria desconhece as ferramentas que Deus lhe deu para o exercício do ministério cristão. Se pensarmos que os dons espirituais podem ser classificados, de forma mais simples, como motivacionais, ministeriais e manifestacionais — Peter Wagner fala em sete tipos de dons[6] — é possível que cada crente tenha então ao menos três dons.

A pesquisa coordenada por Schwarz indicou que a segunda marca de qualidade da igreja é a de Ministérios orientados pelos dons, onde a maioria dos crentes sabe que dons tem e serve a Deus, à igreja e à sociedade com eles. Esse conceito baseia-se na certeza de que Deus deu dons específicos aos cristãos para servirem a sua igreja através dos diversos ministérios. Dito de outra forma, as igrejas que crescem são aquelas cujos ministérios são orientados pelos dons.

Essa realidade tem certa ligação com a lei dos 80/20, também conhecida como lei de Pareto, que indica que 80% dos resultados são produzidos por 20% das causas. Nesse caso, quando realizamos algo para o qual temos dons, consumimos 20% da energia necessária, alcançando 80% do resultado almejado. Ao contrário, quando tentamos fazer algo para o qual não temos dom, até conseguimos, mas consumimos 80% da energia para obtermos 20% do resultado. Assim, “À medida que cristãos vivem de acordo com seus dons espirituais, eles não trabalham pelas próprias forças, mas o espírito de Deus trabalha neles.”[7]

Espiritualidade contagiante

A terceira marca de qualidade apresentada por Schwarz é a Espiritualidade contagiante. Os crentes “vivem a sua fé com dedicação, paixão, fogo e com entusiasmo”.[8] Trata-se de uma espiritualidade que leva os cristãos a viverem sua fé de uma maneira autêntica e com entusiasmo. Mas o pesquisador faz questão de distinguir isso do estilo piedoso ou de certas práticas espirituais como, por exemplo “guerra espiritual”, campanhas de jejuns, cultos de libertação e coisas parecidas, tidas por muitos como ferramentas de crescimento.

Christian Schwarz salienta que “O conceito de paixão espiritual está em contraposição às concepções tão difundidas da fé, como ‘cumprir obrigações’”[9]. Ele lembra também que nas igrejas com tendências legalistas, cujos membros estão sempre concordando com os preceitos morais, o nível de espiritualidade fica abaixo da média.

Continuando seus estudos sobre isso o luterano explica que cada cristão experimenta a sua espiritualidade de acordo com o estilo que Deus lhe deu. Num de seus trabalhos ele esclarece que a espiritualidade apresenta nove estilos descritos como o estilo sensorial, racional, doutrinal, movido pela Palavra, compartilhador, asceta, místico, entusiasta ou sacramental.[10]

Estruturas funcionais

As igrejas que se desenvolvem possuem estruturas que existem porque funcionam e não por mero tradicionalismo. Ou seja, tem Estruturas funcionais, a quarta marca de qualidade no estudo de Schwarz. Imagine como exemplo uma igreja onde a maioria da membresia trabalha em turnos, inclusive aos domingos, e não consegue frequentar a escola dominical. Até conseguiria se os estudos fossem num dia de semana à noite. Mas aí alguém da liderança diz que escola dominical deve ser aos domingos, do contrário não pode ter esse nome e reforça o argumento lembrando que uma das tradições da denominação é a EBD. Neste caso a estrutura não está funcionando por mero tradicionalismo.

Estruturas que funcionam se orientam nas necessidades reais, buscando supri-las e contribuindo para que o crescimento seja facilitado. No exemplo da escola dominical, uma estrutura que não funciona também se encaixa na lei de Pareto, pois consome 80% da energia da liderança com avisos, cobranças, gincanas, premiações e até repreensões, mas alcança no máximo 20% do resultado que obteria se tivesse uma “escola bíblica” funcionando numa noite da semana.

Outro dado interessante levantado nos estudos do DNI é que “[…] as estruturas de igrejas que crescem não têm nada que ver com organogramas, técnicas administrativas e métodos de marketing clássicos”. Na realidade é comum ver instituições que não se desenvolvem mesmo usando tais ferramentas de gestão.

Culto inspirador

O outro fator de desenvolvimento de igrejas é o Culto inspirador. As pessoas vão ao culto porque sentem prazer em estar ali — acham o culto gostoso — e não pelo cumprimento de um dever cristão, ou para agradar ao pastor. Nesse sentido o culto inspirador proporciona uma experiência inspiradora.

Mas no meio evangélico há uma discussão se um culto deve ou pode ser “gostoso” para quem cultua, ou se deve ocorrer para agradar apenas a Deus, afinal, o crente vai ao culto para adorar a Deus e não para se sentir bem, diria alguém. Ocorre que quando se adora ao Criador a pessoa se sente agraciada pela sua presença, o a faz se sentir bem.

O conceito de “inspiração” deve ser compreendido literal e teologicamente. Ou seja, o culto é inspirador porque quem inspira é o Espírito Santo. Assim, o papel de quem cultua é não “apagar” o Espírito. “Todas as partes do culto — desde o arranjo das cadeiras, a música, até a pregação — devem se tornar meios cada vez melhores através dos quais o Espírito de Deus e o amor de Deus sejam experimentados de forma bem clara na comunhão dos cristãos.”[11]

Grupos pequenos (grupos familiares)

Os Grupos pequenos são a sexta marca de qualidade de desenvolvimento da igreja, de acordo com os resultados da pesquisa empreendida por Schwarz e sua equipe. Essa característica resolve um importante problema vivenciado pelas lideranças de grandes igrejas, cujos membros se queixam de falta de comunhão entre eles. Mega-igrejas têm se tornado um centro de encontro de pessoas que mal se conhecem. Elas reclamam de não ter com quem compartilhar alegrias ou dores e por isso se sentem isoladas em meio à multidão de “irmãos” desconhecidos.

Com os grupos pequenos organizados de forma sistematizada pela igreja essa questão é equacionada. Os participantes desses grupos levam à comunhão — que é muito mais ampliada que no templo — questões que realmente fazem parte do seu dia-a-dia. Isso gera o aprofundamento dos relacionamentos e o atendimento das necessidades individuais.

Mas é necessário se fazer um alerta quando se trata de grupos pequenos. A qualidade deles “depende diretamente da qualificação de seus líderes [primeira marca de qualidade]. Por isso é importante que, (a) apenas pessoas que receberam de Deus dons necessários para esse ministério [segunda marca] se tornem líderes de grupos familiares, e (b) que essas pessoas sejam treinadas para isso.”[12]

Evangelização voltada para as necessidades

Esta sétima marca trata de uma forma interessante e atrativa de evangelização. Não desconsiderando e muito menos desqualificando as formas tradicionais, esse método se volta para as necessidades dos evangelizandos. Por exemplo, um membro informa no seu grupo pequeno uma vizinha passou por cirurgia e sua casa está sem os seus cuidados há dias. Uma equipe, formada por homens e mulheres, se organiza para os serviços da casa, preparação das refeições, limpeza do quintal, etc. Enquanto fazem os trabalhos em momento algum se preocupam em convidar a mulher para o culto ou a aceitar a Jesus para ser salva. A evangelização se dá por gestos de atenção e não por palavras. É a Evangelização voltada para as necessidades das pessoas.

A liderança da igreja conhece aqueles que têm o dom de evangelismo, os estimula e os encaminha para esse ministério. Por sua vez o evangelista — através também de seus outros dons — e demais crentes servem aos não evangélicos em suas necessidades, o que lhes abre as portas da igreja de uma forma diferente e muito distante do cansativo proselitismo. Nesse processo não se tem em mente apenas as pessoas com o dom de evangelista, mas como cada cristão pode testemunhar de Cristo em seus contatos naturais no dia-a-dia.

Relacionamentos marcados pelo amor fraternal

Entre os “desigrejados” a queixa quase uníssona é a de falta de amor cristão. Um importante questionamento é feito: “Se Jesus disse que seríamos conhecidos por nos amarmos uns aos outros, por que há tanta falta de amor em nosso meio?” Por outro lado, as lideranças bem intencionadas e sinceras dessas igrejas não percebem que isso de fato está ocorrendo. Ao contrário, têm a sensação de participarem de uma igreja de amor, em especial com novos convertidos. “Esses cristãos consideram-se ‘calorosos’ e ‘abertos’ em relação aos novos, mas comunicam de forma não verbal, em geral involuntariamente, a seguinte mensagem: ‘Vocês não pertencem ao nosso grupo’”.[13]

Esse fator aparece na pesquisa de Christian Schwarz como a oitava marca de qualidade e recebe o nome de Relacionamentos marcados pelo amor fraternal. Assim, nas igrejas que experimentam essa marca as pessoas amam e são amadas e sabem que precisam aprimorar essa virtude a cada dia. O amor, neste caso, não é um sentimento romântico que cai sobre as pessoas e de repente vai embora, mas o fruto e as ações através das quais as pessoas se ajudam no Corpo. Essa premissa visa tornar o amor de Cristo mais visível em todos os relacionamentos, especialmente entre os cristãos.

Conclusão

Antes que alguém reclame que não viu entre as oito marcas de qualidade nem a oração e nem o estudo da Palavra de Deus, vale lembrar que esses e outros requisitos — como a santidade, por exemplo — não aparecem aqui por duas razões. A primeira delas é que sem essas coisas uma instituição não pode sequer ser chamada de Igreja de Cristo. Falar que uma igreja necessita de oração, estudo e obediência à Palavra de Deus, santidade etc., é como um doente ouvir do médico que ele precisa respirar para sarar. A segunda razão é que existem igrejas que mesmo observando todas essas coisas de forma intensa e sincera, não experimentam desenvolvimento.

Outra coisa que deve ser dita nessa conclusão é que em se tratando de igreja crescimento numérico não é a mesma coisa que desenvolvimento. Aliás, as demais formas de crescimento não estão necessariamente associadas ao desenvolvimento. Um adolescente com 15 anos de idade, 1,7 metro de altura, pesando 30 quilos e com dificuldades de aprendizagem está crescendo, mas não está se desenvolvendo.

Assim, uma igreja pode chegar a mais de mil membros em poucos anos, com características de uma igreja organizada e desenvolvida, sem, no entanto estar experimentando um desenvolvimento verdadeiro. Quando isso acontece, segundo Schwarz a marca de qualidade mais sacrificada é a 8. Quando isso acontece a igreja perde totalmente a essência do discipulado, pois conforme disse o Mestre Jesus, “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.” (João 13.35).

_______________________________

[1] SCHWARZ, 2003, prefácio.

[2] SCHWARZ e SCHALK, 1998, p. 233.

[3] SCHWARZ, 2010, p.20.

[4] SCHWARZ, 2010, prefácio.

[5] SCHWARZ, 2010, p.25.

[6] KORNFIELD, 1997.

[7] SCHWARZ, 2003, p.25.

[8] SCHWARZ, 2003, p.26.

[9] Idem.

[10] SCHWARZ, 2012.

[11] SCHWARZ e SCHALK, 1998, p.86.

[12] SCHWARZ e SCHALK, 1998, p. 96.

[13] SCHWARZ e SCHALK, 1998, p. 116.

REFERÊNCIAS:

KORNFIELD, D. Desenvolvendo dons espirituais e equipes de ministério. São Paulo: SEPAL, 1997.

SCHALK, Christoph. Descomplicando a vida: Seis segredos para uma vida bem-sucedida segundo o plano de Deus. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2005.

SCHWARZ, Christian A. O desenvolvimento natural da igreja: guia prático para cristãos e igrejas que se decepcionaram com receitas mirabolantes de crescimento. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2003.

SCHWARZ, Christian A. O desenvolvimento natural da igreja: guia prático para as oito marcas de qualidade essenciais das igrejas saudáveis. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2010.

SCHWARZ, Christian A. As 3 cores da sua espiritualidade: 9 estilos espirituais: como você se conecta com Deus da maneira mais natural?. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2012.

SCHWARZ, Christian A. e SCHALK, Christoph. A prática do desenvolvimento natural da igreja. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 1998.

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