Categoria - Geografia Bíblica
O QUE A BÍBLIA DIZ SOBRE O INFERNO
Marcio J. Estevan
Em Mateus 16.18 lemos: “… Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.
”O texto em questão tem sido alvo das mais diversas interpretações, algumas das quais, se mostram absolutamente incongruentes com a ortodoxia de uma boa hermenêutica.
Quando este tema começou a incomodar-me, de início pensei tratar-se de um sentimento de rejeição de minha parte para com alguns exageros cometidos por ensinadores menos atentos ao texto bíblico que, de algum modo, incomodavam-me e, desta forma, com a mesma velocidade com que me chegaram tais sentimentos, se dissipariam, uma vez que não passavam de uma implicância momentânea de minha parte.Todavia, com o passar do tempo, isto foi amadurecendo em minha mente, de forma a considerar mais de perto esta declaração do nosso Senhor Jesus Cristo concernente ao termo “inferno”, pois, com muita tristeza e muito pesar tenho ouvido, com não pouca frequência, declarações desprovidas de um estudo mais apurado do real sentido das Escrituras com respeito a esta expressão.
Outro fator bastante influenciador é a música. Devido ao seu poder de comunicação a música sempre foi um instrumento de infinita utilidade para a propagação do Evangelho, mas infelizmente, há letras de algumas músicas ditas evangélicas ou gospel da atualidade, desprovidas de qualquer conceito teológico e doutrinário, contendo refrões triunfalistas tais como:“Se o diabo não sair da frente, a igreja vai passar por cima dele”; “vamos mandar o diabo de marcha a ré para o inferno”; “quando o crente ora, o inferno treme”; Esses e outros refrões vêm contribuindo para que cristãos construam em suas mentes uma ideia errônea a respeito do assunto. Seria esta a intenção do Senhor Jesus Cristo ao pronunciar estas palavras? Estaria Ele afirmando que o inferno é sinônimo de forças malignas? Seu objetivo seria expor a realidade da força maligna que gerencia o inferno, mas que o crente está acima desta força? Ou que sua igreja seria constituída por super crentes, invencíveis, intocáveis, blindados ou isentos de problemas, de doenças ou de vicissitudes da vida? É esta pergunta que nos propomos a responder neste artigo. Afinal, que hermenêutica e que exegese fazemos deste texto?Meu desejo é trazer, à luz das Escrituras, algum esclarecimento sobre este tema e contribuir para que vidas sejam edificadas, para a glória de Deus.
Para um melhor entendimento sobre o assunto, é necessário que nos debrucemos sobre as Escrituras, analisando, em primeiro lugar, que crença tinha Israel a respeito da vida após a morte ou da vida eterna, pois embora leiamos no Antigo Testamento que alguns servos de Deus tenham esboçado pensamentos sobre o assunto, além de serem raros, quando o fazem, parece-nos que o fazem de forma um tanto que vaga. Ou seja, a impressão que nos vem da leitura do AT é que a fé que Israel depositava em Deus limitava-se a esta vida.Senão vejamos.
O termo hebraico geralmente utilizado no AT para se reportar ao destino na morte é “sheol” ou “Seol” (Dt 32.22), o lugar para onde vão os mortos segundo o judaísmo, um lugar de consciência das pessoas que já morreram, e onde os ímpios recebem castigos e os justos, recompensas. A palavra Sheol é traduzida tanto como sepultura ou abismo, quanto como inferno. Este uso do termo sheol por escritores do AT, por vezes, parece indicar que criam que a vida findava-se na sepultura. No entanto, crentes veterotestamentários como Jó, não deixam dúvidas de que criam em uma vida após morte. Este ilustre servo de Deus, paradigma de perseverança, entre as muitas manifestações de sua convicção, ao longo do livro que leva seu nome, chegou a exclamar: “Porque sei que o meu redentor vive e que por fim se levantará de sobre a terra.” (Jó 19.25)Através do estudo do AT encontramos outros exemplos de homens que declararam sua confiança na eternidade. Davi, por exemplo, no Livro dos Salmos, deixa claro que sua fé não se restringia ao âmbito desta vida. Para o salmista, é causa de choro sincero e ensejo para outra esperança, conforme o Salmo 16.10: “não deixarás a minha alma na morte, nem permitirás que o teu Santo veja corrupção.”Todavia, o estudo das Escrituras nos faz entender que, embora o povo judaico tenha recebido a revelação de um Deus eterno, não criado, sem princípio e sem fim de dias e que se mostra fiel aos que o servem, a percepção que temos dos judeus é que criam em uma vida após morte sem, contudo investigarem como seria esta vida, sua natureza, suas características, sua duração, sua essência, seu lugar. Era um tema que pouco chamava a atenção do hebreu.Na concepção os judeus, o sheol ou seol, referido por Jesus como “Seio de Abraão”, ou o mundo dos mortos, e, conforme o Salmo 88.11, se constitui num lugar em que não se pode louvar a Deus; onde, conforme Eclesiastes 9.10, é um local em que não há obra, nem indústria, nem ciência, nem sabedoria alguma. No Salmo 88.5 o salmista afirma que Deus não se lembra de quem está lá.O mesmo não ocorria entre alguns povos com os quais os judeus mantiveram contato. É o caso dos egípcios e dos gregos, entre outros, mas estes dois em especial. Surpreende-nos que, embora não tendo nenhuma revelação divina, mantinham um intenso e constante interesse pela vida após a morte, mesmo tendo somente superstições sobre o tema.
Um dos maiores testemunhos desta sede dos egípcios em relação à vida após a morte é o Livro dos Mortos, Embora de um custo altíssimo, com certeza, foi o objeto mais cobiçado por qualquer egípcio da antiguidade. Era o manual pelo qual toda pessoa que o possuísse poderia chegar ao tão almejado “paraíso” egípcio. Os gregos, por sua vez, certamente foram os que mais vasculharam os corredores do conhecimento, tendo sido, possivelmente, o povo que mais se dedicou à questão da vida após a morte. A mitologia grega é vastíssima quando o assunto diz respeito aos mortos. Logicamente, não é nosso interesse aprofundarmo-nos neste assunto, mas nos convém lembrar que o deus grego chamado Hades foi um dos que mais esteve presente na crendice dos gregos, tal era a relevância que o tema ocupava na mente do povo grego.São crenças que vêm desde a Teogonia de Hesíodo, e dos poemas épicos Ilíada e Odisseia de Homero, com Ulisses no inferno (hades) com as quais os gregos trabalham todos os detalhes ao seu alcance que buscavam descrever as circunstâncias, boas e ruins que vigoram naquele local. No geral, a mitologia grega separou o inferno (hades) em algumas partes, entre elas: a boa – os vergéis Elíseos – para os bons e a ruim para os maus, no caso, o tártaro. Note-se que essa ideia impregnou a mente não somente dos gregos, mas daqueles que com eles mantiveram contato, como o caso dos romanos. Ao ascender ao trono romano, Augusto se recorre ao amigo e escritor, também romano, chamado Virgílio, solicitando-lhe a construção de uma obra literária que dignificasse seu Império, naquele momento tão difamado e desacreditado, civil, militar, moral e religiosamente.O amigo se pôs a escrever o, hoje, famoso best-seller Eneida. Nesta obra Virgílio descreve a guerra de Tróia e a fuga do protagonista do enredo chamado Enéias. Na realidade, Virgílio quis narrar a história da fundação de Roma, tendo como fundador o herói Enéias, que ao fugir da destruição de Tróia, passa pela cidade de Cartago, Norte da África onde mantém um relacionamento com a deusa Dido, através de quem obtém permissão de descer ao mundo dos mortos — O hades, à semelhança do episódio de Orfeu e Eurídice, a nekya de Odisseu, no canto XI da Odisseia para ali rever seu pai já falecido.
No mundo dos mortos vê vários espectros. Um deles o de Dido que, ladeada por seu primeiro esposo, não lhe responde. O seu pai Anquises dá-lhe importantes informações sobre a sua viagem e faz uma longa profecia sobre o futuro glorioso de Roma.Nesta obra composta por doze cantos, Virgílio reserva o canto de número seis para descrever detalhes do imaginário grego a respeito do hades, como uma paráfrase da Ilíada, de Homero. Quero aqui, destacar, pelo menos, três lugares mencionados neste romance cuja finalidade foi exaltar o Império Romano, descrevendo sua origem: O lugar aprazível ao qual Virgílio chamou de “os Vergéis Elíseos”, em segundo lugar, o Tártaro, local reservado e seguro, praticamente uma prisão onde se prendiam os titãs mais perigosos e, por fim, o limbo, lugar junto aos Campos Elíseos reconstituído, bem mais tarde, na Divina Comédia de Dante, para onde iam, por exemplo, as crianças não batizadas.Na Teogonia de Hesíodo, Tártaro é, ao lado de Caos, Gaia e Eros, um dos elementos primordiais do cosmos.Unindo-se a Gaia, foi pai dos monstros Tífon e Équidna, aos quais se acrescentam, por vezes, a águia de Zeus e Tânatos, o dáimon da morte.Já nos poemas homéricos e na Teogonia, o Tártaro é imaginado como o local mais profundo das entranhas da Terra, localizado muito abaixo do próprio Hades, isto é, dos infernos onde ficavam as sombras dos mortos. Já na Ilíada de Omero, Zeus reúne a assembeia dos deuses e ameaça lançar “no Tártaro escuro, a voragem profunda de soleira de bronze e portas de ferro” qulquer dos imortais que se atrevesse a lutar do lado dos aqueus ou dos troianos.A visão do Novo TestamentoO domínio grego a partir de Alexandre, seguido por seus generais foi o responsável pelo período conhecido como helenístico cujo alcance afetou profundamente a vida e hábitos judaicos. Ao abrirmos as cortinas de Israel no NT, nossa visão é a de um país com hábitos gregos, língua grega, arquitetura grega, enfim, o Israel do NT é grego quase que em toda a sua essência.Assim, no texto do NT Grego existem três termos diferentes traduzidos como “inferno”, a saber: Géenna, Hades e Tártaro, o que não ocorre na Língua Portuguesa, na qual os três termos são traduzidos única e simplesmente pela palavra “Inferno” oriunda do Latim “profundeza ou mundo inferior”. Possivelmente, este é o principal motivo das dificuldades de interpretações destinadas ao assunto.Porém, eram termos que estavam tão impregnados na cultura do povo e da rua ao ponto de Jesus utilizá-los em Seu ministério terreno como recursos para, a partir deles, ensinar as verdades relativas ao Reino de Deus.Na tradução para o Português, João Ferreira de Almeida se utilizou tão somente do termo “inferno”, não diferenciando os três vocábulos do original grego. Não se sabe o motivo desta simplificação, mas pensemos que Almeida quisesse, por algum motivo por nós desconhecido, empregar uma maior simplicidade ao texto. Assim, não é justo crucificá-lo por isso, visto que fez o melhor que pode na sua época.Todavia, algumas versões da Bíblia baseadas em linguagem mais atual já fazem distinção dos três termos traduzindo o termo “hades”, que, segundo comentaristas, é um vocábulo correspondente à palavra “Sheol” utilizada algumas vezes no AT.O certo, é que, tanto Jesus, como Pedro fazem uso dos três termos gregos em diferentes situações. Mas, o fato é “Por que”? Qual o motivo da diferenciação no tratamento deste assunto?Tentaremos aqui considerar alguns conceitos que poderão trazer luz sobre a matéria.Ao ensinar sua doutrina, o Senhor Jesus utilizou-se das mais diversas ilustrações, pois ao citar uma figura conhecida no mundo de então como do Hades ou da Géenna estava descrevendo como era o “inferno-prisão” dos mortos ímpios, durante o seu estado intermediário, isto é, entre sua morte e ressurreição.Passemos a examinar as referências bíblicas do texto grego do NT em que figuram cada um dos três termos supracitados, tomando por base a Versão Revista e Corrigida de Almeida, como versão mais antiga.1 – Aδεζ = (Hades ) Lugar dos mortos. Este vocábulo aparece no texto grego do NT em:a) Mt 11.23 – “E tu, Cafarnaum, que te ergues até aos céus, serás abatida até aos infernos; porque se em Sodoma tivessem sido feitos os prodígios que em ti se operaram, teria ela permanecido até hoje.”b) Mt 16.18 – “Pois também eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.”c) Lc 10.15 – “E tu, Cafarnaum, serás levantada até ao céu? Até ao inferno serás abatida.”d) Lc 16.23 – “E no Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão, e Lázaro no seu seio.”e) At 2.27 – “Pois não deixarás a minha alma no Hades, nem permitirás que o teu Santo veja a corrupção.”f) At 2.31 – “Nesta previsão, disse da ressurreição de Cristo; que a sua alma não foi deixada no Hades, nem a sua carne viu a corrupção.” g) 1Co 15.55 – “Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?”h) Ap. 1.18 – “E o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre, amem. E tenho as chaves da morte e do inferno.”i) Ap 6.8 – “E olhei, e eis um cavalo amarelo, e o que estava assentado sobre ele tinha por nome Morte; e o inferno o seguia; e foi-lhes dado poder para matar a quarta parte da terra, com espada, e com fome, e com peste, e com as feras da terra.”j) Ap 20.13 – “E deu o mar os mortos que nele havia; e a morte e o inferno deram os mortos que neles havia; e foram julgados cada um segundo as suas obras.”Nota: Em alguns casos, a ARC traduz o termo Hades, enquanto que em outros a expressão é “inferno.”2 – Γεεννα = (Géenna) Lugar de fogo para punição dos ímpios.a) Mt 5.22 – “Eu, porém, vos digo que qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e qualquer que disser a seu irmão: Raca, será réu do sinédrio; e qualquer que lhe disser: Louco, será réu do fogo do inferno.”b) Mt 5.29 – “Portanto, se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti, pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno”.c) Mt 10.28 – “E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo.”d) Mt 18.9 – “E, se o teu olho te escandalizar, arranca-o, e atira-o para longe de ti. Melhor te é entrar na vida com um só olho do que, tendo dois olhos, seres lançado no fogo do inferno.”e) Mt 23.15 – “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós.”f) Mc 9.45 – “E, se o teu pé te escandalizar, corta-o; melhor é para ti entrares coxo na vida, do que, tendo dois pés, seres lançado no inferno, no fogo que nunca se apaga.”g) Mc 9.47 – “E, se o teu olho te escandalizar, lança-o fora; melhor é para ti entrares no reino de Deus com um só olho, do que, tendo dois olhos, seres lançado no fogo do inferno.”h) Lc 12.5 – “Mas eu vos mostrarei a quem deveis temer: temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno; sim, vos digo, a esse temei.”i) Tg 3.6 – “A língua também é um fogo; como mundo de iniquidade, a língua está posta entre os nossos membros, e contamina todo o corpo e inflama o curso da natureza, e é inflamada pelo inferno”.Nota: Em todas as ocorrências de Géenna, a ARC as traduz por “inferno”. Certamente, a conotação pretendida por Jesus, através deste termo, é outra, ou seja, não o estado intermediário dos mortos, mas referia-se ao lago de fogo.3 – Ταρταρσω – (Tártaro) – O nome de um local de punição divina inferior ao Hades.a) 2 Pe 2.4 – “Porque, se Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas, havendo-os lançado no inferno (tártaro) os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o juízo.”Esta é a única vez que este vocábulo aparece no Novo Testamento e refere-se às prisões onde estão os anjos caídos.Segundo a mitologia grega, o início do mundo foi marcado pelo caos, seguido pelo nascimento de Urano e Geia, ele o deus do céu e ela a deusa da terra, de cujo casamento nasceram os titãs que, tão feios e horripilantes que eram, foram atirados no tártaro, isso é, na pior parte do inferno (hades) pelo próprio pai. (História dos gregos, pg. 55).O que nos causa espanto é a razão pela qual o apóstolo Pedro, um dos apóstolos mais apegados ao Judaísmo faz uso de um termo grego pagão, considerado mundano, embora corrente em sua época, para trazer à tona uma verdade do Cristianismo. Com certeza, Pedro se utilizou de termos correntes da época para expressar verdades espirituais.Considerações importantesDos três vocábulos gregos, o segundo, a “Geena” chama-nos a atenção em função de seu relacionamento com o AT, visto ser a transliteração comum para o português da forma helenizada ou grega “Géenna” que, por sua vez, origina-se do termo hebraico Geh Hinnóm ( הִנּםֹ-גֵיא בֶן ) nome geográfico hebraico e que significa literalmente “Vale de Hinom”, lugar situado fora das muralhas de Jerusalém, onde, a princípio, se sacrificavam crianças em homenagem ao deus dos amonitas chamado Moloque, ali também se lançavam os cadáveres de pessoas que eram consideradas indignas, restos de animais, e toda outra espécie de imundície e que mais tarde veio a tornar-se um depósitono qual se mantinham constantemente fogo aceso a base de enxofre para mantê-lo acesso para consumir o lixo da cidade, ou seja, o vale de Hinom tornou-se o depósito e incinerador do lixo de Jerusalém.A Bíblia Sagrada, da Difusora Bíblica Franciscanos Capuchinhos, traz nas notas de rodapé que o termo Tofete pode significar “queimador”.Não poucos se deram ao trabalho de comentar os horrores praticados neste local. Há tradições que indicam que ali se lançavam também cadáveres de animais para serem consumidos pelo fogo, aos quais, como supracitado, se acrescentava enxofre para ajudar na queima, bem como ao executarem criminosos considerados imerecedores de um sepultamento digno em um túmulo, lançavam ali seus cadáveres.Segundo tradições, ao caírem no fogo, esses cadáveres eram consumidos, porém, ao cair dentro de alguma abertura saliente da encosta ou barranco, sua carne, em estado de apodrecimento ou putrefação, ficava presa e infestada de vermes que se desenvolvem em substâncias orgânicas em decomposição que não morriam até terem consumido completamente a carne, deixando somente os esqueletos.Ainda conforme Smith’s Dictionary of the Bible: “Tornou-se o depósito de lixo comum da cidade, onde se lançavam os cadáveres de criminosos, e as carcaças de animais, e toda outra espécie de imundície.” — (Boston, 1889, Vol. 1, p. 879.). Já conforme o Novo Comentário Bíblico, na página 779, em inglês — The New Funk & Wagnalls Encyclopedia (Nova Iorque, 1950, Vol. 15, p. 5576): “… perpetuavam-se os fogos para impedir uma pestilência.”Este é um poderoso quadro da destruição final, daí que o vale tornou-se um símbolo da punição escatológica, sendo usado por Jesus como símbolo da destruição eterna, pelo que no Novo Testamento a Géenna é o símbolo da condenação eterna dos pecadores.O vale de Hinom firmava a fronteira entre as tribos de Benjamim no qual se situava a cidade de Jerusalém, estando localizado ao Sudoeste e ao Sul da antiga cidade, com a tribo de Judá localizada mais ao sul, conforme verificado em Josué 15.8; 18.16, Neemias 3.13 e em Jeremias 19.2, 6.Sua extensão vai desde as proximidades do atual Portão de Jaffa, denominado em árabe por Bab-el-Khalil, virando subitamente para o Este no ângulo Sudoeste da cidade, tomando direção Sul, onde encontra os vales de Tiropeom e do Cedron, num ponto próximo ao canto Sudeste da cidade. O nome atual pelo qual o vale é conhecido é uádi er-Rababi (Ge Ben Hinnom). Próximo ao ponto convergente entre os três vales, mas numa posição uma pouco mais elevada há um local mais aberto, onde se supõe que estivesse localizado o local de adoração a Moloque denominado Tofete ou Tofet, bem como Tofeth, as três grafias aceitas para o mesmo nome.Note-se que o Tofete ou Vale de Hinom ou ainda Géenna é mencionado em diversos textos bíblicos como tendo sido usada para a prática de rituais de sacrifício humano em adoração, principalmente, a Moloque, muito especialmente durante os reinados de Acaz, rei de Judá mencionado no texto de 2 Crônicas 28.1-3 no qual lemos que era neste vale que tais práticas eram realizadas, incluindo o sacrifício de crianças:“Tinha Acaz vinte anos de idade quando começou a reinar e dezesseis anos reinou em Jerusalém; e não fez o que era reto aos olhos do SENHOR, como Davi, seu pai. Antes, andou nos caminhos dos reis de Israel e, demais disso, fez imagens fundidas a baalins. Também queimou incenso no vale do Filho de Hinom, e queimou os seus filhos, conforme as abominações dos gentios que o SENHOR tinha desterrado de diante dos filhos de Israel”.Em 2 Crônicas 33.1, 6, 9 lemos que Manassés, rei em Judá e neto de Acaz, também promoveu muito este tipo de prática infame, fazendo “os seus próprios filhos passarem pelo fogo no vale do filho de Hinom”, Já o Rei Josias, neto de Manassés, tentou por fim a esta prática maligna, destruindo aquele lugar chamado Tofete, conforme lemos em 2 Reis 23.10: “Também profanou a Tofete, que está no vale dos filhos de Hinom, para que ninguém fizesse passar a seu filho ou sua filha pelo fogo a Moloque.”Ainda em referência aos atos praticados neste local nos recorremos ao comentário do erudito judeu David Kimhi que diz o seguinte:
“Nome do lugar em que eles faziam seus filhos passarem pelo fogo para Moloque. O nome do lugar era Tofete, e diziam que era chamado assim porque eles dançavam e tocavam pandeiros [hebr.: tuppím] por ocasião da adoração, para que o pai não escutasse os gritos do filho quando o estivessem fazendo passar pelo fogo, e para que seu coração não ficasse agitado e ele o tirasse da mão deles. E esse lugar era um vale que pertencia a um homem chamado Hinom, de modo que era chamado de \\\\\\\’Vale de Hinom\\\\\\\’ e de \\\\\\\’Vale do Filho de Hinom\\\\\\\’. E Josias conspurcou aquele lugar, reduzindo-o a um lugar impuro, para nele se lançarem carcaças e toda impureza, a fim de que nunca mais subisse ao coração do homem fazer seu filho ou sua filha passar pelo fogo para Moloque.” (Bíblia Rabínica, Jerusalém, 1972).
Diversos textos bíblicos já alertavam a Israel quanto à prevenção em relação à idolatria, especialmente a esse deus falso, conforme registrado, por exemplo, em Levítico 18.2: “E da tua descendência não darás nenhum para dedicar-se a Moloque, nem profanarás o nome de teu Deus. Eu sou o SENHOR.”A Lei Mosaica já abominava tais sacrifícios malignos, como visto em Levítico 20.2: “Também dirás aos filhos de Israel: Qualquer dos filhos de Israel, ou dos estrangeiros que peregrinam em Israel, que der de seus filhos a Moloque será morto; o povo da terra o apedrejará.”Moloque, na realidade, era um deus construído em forma dupla, tendo o tronco cilíndrico, com mãos humanas, porém com cabeça de um touro. O ventre oco formando um forno ardente era preparado para receber criancinhas vivas cujos gritos eram sufocados pelo som estridente da música entoada durante a cerimônia diabólica.Por isso, como punição pela idolatria, Jeremias anunciou que o vale seria um lugar amaldiçoado. Inclusive, é possível que a referência de Jeremias 31.40 que menciona “o vale dos cadáveres e das cinzas”, também se refira a este local. Com certeza, o profeta que mais combateu esta prática diabólica foi Jeremias. Em seu livro é possível constatar as diversas referências condenatórias do profeta a este terrível pecado que, iniciado pelos amonitas, propagou-se por Judá, por Israel, tendo como seus maiores praticantes os fenícios, habitantes da Fenícia, atual Líbano.A História incumbiu-se de registrar que a colônia fenícia de Cartago, no norte da África manteve tais práticas até sua conquista e destruição na terceira Guerra Púnica contra Roma.
Os intermináveis vermes e larvas da camada inferior do Géenna, cujo solo coberto por fogo constante, contaminados com o sangue de crianças inocentes oferecidas a Moloque tornaram-se repugnáveis diante de Deus, a ponto de Jesus abominar aquele lugar. Certamente que os fariseus, saduceus e demais grupos envoltos em hipocrisia, ao ouvirem tais palavras de Jesus, em suas mentes acendia-se uma luz vermelha, “a da consciência”, pois conheciam perfeitamente a ilustração que Jesus construía para apontar o castigo do pecado, como diria Paulo: “O salário do pecado”.Com toda certeza, o conteúdo exposto é suficiente para concluirmos que o termo Géenna faz referência ao inferno eterno de fogo, enquanto que a expressão Hades, traduzida como “inferno”, refere-se a um lugar de eterna separação de Deus, como um local do estado intermediário dos ímpios mortos, um lugar onde os mortos sem Cristo, aguardam julgamento, visto que, na exposição do texto de Lucas 16, em que consta a história de Lázaro e Rico, o Senhor Jesus, mais uma vez fez uso de um conceito, então conhecido, para ensinar uma verdade eterna, afirmando que lá havia duas partições: o Hades para onde iam os mortos perdidos por rejeitarem a graça de Deus e o Seio de Abraão, onde estavam aqueles que, pela fé, aceitaram o sacrifício do “Cordeiro de Deus, morto antes da fundação do mundo”, conforme lemos em Efésios 4.8-9: “Pelo que diz: Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro e deu dons aos homens. Ora, isto — ele subiu — que é, senão que também, antes, tinha descido às partes mais baixas da terra?”Cremos, portanto, que o Seio de Abraão foi elevado ao paraíso, garantindo acesso imediato aos santos que morrem em Cristo.
Conclusão
O inferno (hades) é real e não fictício, como algumas igrejas já confessam. Tampouco ele é temporário, como divulgado pelo Papa Francisco, há poucos dias, afirmando que a igreja não condenará as pessoas para sempre. O Hades ou inferno é um lugar de separação de Deus, ao qual Jesus se referiu muitas vezes em seu ministério terreno para chamar a atenção de seus ouvintes para a realidade do resultado da rejeição à graça de Deus, mediante Jesus Cristo.Fica claro, portanto, que o conceito bíblico a respeito do Hades é de lugar onde os mortos ímpios aguardam julgamento e nada mais do que isto. Qual é o grau de tormenta lá existente? Não sabemos, pois Jesus o diferenciou da Géenna “onde o bicho não morre e o fogo nunca se apaga.”Contudo, a Bíblia afirma que o Hades está sob o absoluto controle do Senhor Jesus, pois Ele asseverou: “E eu, quando o vi, caí a seus pés como morto; e ele pôs sobre mim a sua destra, dizendo-me: Não temas; eu sou o Primeiro e o Último e o que vive; fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. Amém! E tenho as chaves da morte e do inferno (Hades).” Ou seja, nem Satanás nem seus anjos caídos têm qualquer poder sobre o inferno. Ele, na realidade, nunca esteve lá e tão pouco tem acesso ao inferno. Aliás, ele será preso no “abismo” ou hades e, posteriormente, lançado no lago de fogo — o inferno eterno, conforme Apocalipse 20.10, quando Cristo reinar absoluto.Por enquanto, ele está solto e, juntamente com suas hostes malignas habita os ares.
Em outras palavras, inferno não é sinônimo de forças satânicas e tampouco as forças de Satanás se relacionam ao inferno. O que elas fazem é incitar o homem ao pecado que o levará ao inferno.Meu interesse, nessa exposição, concentra-se em conscientizar aos estudantes das Escrituras que as palavras de Jesus em Mateus 16.18 deveriam receber a seguinte hermenêutica: “… edificarei a minha igreja, e a morte não terá poder sobre ela.”Ora, é muito mais reconfortante e espiritualmente saudável, sabermos que o crente não teme a morte e que a morte não mais tem poder sobre nós. Paulo afirmou que “… tragada foi a morte na vitória.” (1 Co 15.54)Em João 5.24 Jesus nos assegura: “Em verdade, em verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não entra em juízo, mas já passou da morte para a vida.” (ARC)Por outro lado, a Escritura Sagrada afirma que aquele que morreu perdido, isto é, aquele que rejeitou a graça de Deus, ficará eternamente condenado, não havendo mais oportunidade para arrependimento.Em Lucas 16.23 lemos: “E, além disso, entre nós e vós está posto um grande abismo, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem os de lá passar para nós.”Afirmativas triunfalistas, citadas no início deste texto, têm causado um mal bastante grande à Igreja de Cristo.Portanto, utilizemos uma hermenêutica sadia, livre de qualquer espécie de triunfalismo doutrinário e saibamos rejeitá-la, principalmente quando surgir, seja em roupagem pregada, ou em roupagem musical.A igreja jamais irá “saquear o inferno”, jamais irá “passar por cima do diabo” e coisas semelhantes como a que geralmente ouvimos que “inferno (o diabo) não prevalecerá contra a Igreja.”Satanás, realmente, jamais conseguirá derrotar a Igreja invisível de Cristo, porém, quando qualquer pregador precisar afirmar que Satanás luta contra a igreja, e, na verdade, luta mesmo, não somente ele, mas todas as hostes malignas que estão soltas neste mundo, que utilize outro texto bíblico que afirme isto, mas que deixem de utilizar Mateus 16.18 para este fim.
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