Categoria - Mordomia e Serviço

TEÓLOGO E VIRTUOSO - A ATENÇÃO QUE O PESQUISADOR NECESSITA TER

Magno Paganelli

TEÓLOGO E VIRTUOSO

Introdução

Neste breve artigo, queremos conduzir umas considerações necessárias a respeito de mudanças de hábitos na vida cotidiana do cristão e, consequentemente, da Igreja. Diversos autores trabalham sobre as mudanças de hábitos e de comportamentos, escrevendo sobre bases teológicas ou a partir de considerações da sociologia, da psicologia e mesmo sobre as novas ferramentas da engenharia social ou motivacionais. Como estamos em um ambiente acadêmico do campo da Teologia, pretendemos recorrer a um caminho mais modesto dentro do nosso próprio ambiente. Com isso, não estamos afirmando desconsiderar a colaboração que outras áreas do saber podem dar para a mudança da disposição mental e o reflexo disso no comportamento.

Queremos tão somente estimular estudantes e pesquisadores do campo da Teologia a considerar, antes de tudo, as bases bíblicas em suas reflexões, sabendo que a Palavra de Deus, muito antes da formação de qualquer ramo das ciências sociais ou comportamentais, já reunia ampla literatura sobre os tipos de comportamentos que o ser humano desenvolve, apontando caminhos para mudanças quando estas se mostravam necessárias.

1. O quadro atual

Há algum tempo tenho meditado sobre a correção das nossas condutas ou o comportamento que devemos considerar inadequados a um cristão. Desconheço pesquisas realizadas sobre isso, mas sabemos que há umas poucas décadas nós, cristãos, éramos melhor avaliados pela conduta. Há pouco tempo, dizer que era cristão em uma entrevista de emprego valia pontos e poderia ser o diferencial entre conseguir ou perder uma vaga. Cristãos alugavam casa sem fiador ou depósito antecipado e eram tidos em alta consideração na sociedade brasileira.

Não é mais assim. A nossa geração está presenciando uma intensa erosão na imagem que levou cerca de um século para ser esculpida. Dizer que alguém é cristão ou evangélico pode ser prejudicial. Que dizer, então, da função do pastor? Pastores sabem que problema enfrentam quando precisam financiar um bem e dizem que são pastores. Nem mesmo os imóveis das igrejas têm sido aceitos como garantia para a compra de outros imóveis quando uma igreja quer ampliar suas instalações. E o teólogo? Qual a sua real função na sociedade e na própria Igreja, se ele meditar sobre temas abstratos e longe da realidade o tempo todo?

Acredito que reflexão teológica terá uma boa e desejável contribuição a dar para a Igreja no desenvolvimento de mecanismos para a melhoria de sua imagem e da própria vida. Não se trata de uma ação de marketing para maquiar as más aparências, como alguns fazem. Penso em uma reflexão que passe pelo labor teológico necessário, uma vez que a teologia precisa trabalhar em bases práticas, para não se perder na futilidade, para não cair na vala comum da arrogância e total distanciamento da realidade.

Como teólogos, é imperativo mantermos os olhos nas questões que a igreja e o povo de Deus enfrentam e meditar biblicamente sobre eles. E não só sobre os problemas, mas também sobre os desafios positivos (como crescimento, discipulado, treinamento etc.), e propor caminhos para que as igrejas e comunidades locais possam considerar de acordo com suas demandas culturais, sociais e locais, e implementarem-nas com a finalidade de fazer desenvolver o corpo em amor (Ef 4.15,16).

Minha reflexão tem me levado a admitir três áreas (há muitas outras) que necessitam de constante aplicação para alcançar as mudanças desejadas.

2. Pensamentos

O primeiro entroncamento pelo qual uma mudança de hábitos e comportamentos passa são os pensamentos. Quem nunca teve a impressão de que não somos donos dos nossos pensamentos? Parece não ser previsível que determinadas imagens surjam em nossa mente e poluam as águas mais claras.

Lendo o que Paulo escreveu, devemos chegar à conclusão de que este não é um problema exclusivamente nosso ou do nosso tempo: “Não entendo o que faço. Pois não faço o que desejo, mas o que odeio. E, se faço o que não desejo, admito que a Lei é boa. Neste caso, não sou mais eu quem o faz, mas o pecado que habita em mim.” (Rm 7.15-17, NVI). Essa é uma provocação que fazemos aqui, haja vista não estarmos propondo uma comparação entre os problemas morais que a Igreja brasileira enfrenta e a luta do apóstolo contra a força do pecado em sua carne.

Embora certas imagens e pensamentos venham, de tempo em tempo, acossar-nos, não é possível jogar a toalha deixando ou esperando que as coisas se resolvam naturalmente ou debitando isso na conta do diabo. Somos donos de nossa vontade, pois aprendemos pelas Escrituras que determinadas escolhas devem ser feitas por nós mesmos (Dt 30.19). Amar, por exemplo, não é uma opção, mas um mandamento, de modo que se o Senhor ordenou que amemos, dependerá de uma decisão nossa aplicar-nos ao amor. E não é uma opção quando ele nos manda amar os inimigos!

Do mesmo modo, os nossos pensamentos podem ser corrigidos e disciplinados quando aplicarmos os conceitos bíblicos dados sobre o ato de pensar. Quando Moisés morreu, Josué e todo o povo ficaram cerca de trinta dias pranteando a morte do seu líder. Deus interveio a fim de que eles encerrassem os funerais e aplicassem seus esforços na conquista da Terra Prometida (Js 1.6-8). Em outras palavras, Deus estava dizendo para tirar de suas cabeças a lamentação, porque embora não fossem soldados treinados, ocupar os pensamentos com lamentos infindáveis apenas agravaria a disposição que deveriam ter para o avanço na direção da promessa da terra.

Do mesmo modo, Paulo aconselhou os filipenses (Fp 4.8) a meditarem naquilo que contribuiria com o isolamento de nossos pensamentos ruins e centralizasse nossa meditação naquilo que fosse agradável a Deus.

O que falta a nós, por vezes, é o ânimo para abandonar as imaginações pecaminosas (Gn 6.5; Tg 1.14), porque a carne sente prazer no pecado. Deixar de lado certos pensamentos é como cortar a carne, sabemos que irá doer e não queremos enfrentar a dor. Mas devemos nos lembrar que sem corte não há cirurgia e sem cirurgia não haverá cura. Contamos, porém, com o anestésico da graça de Deus, que nos auxiliará no esforço pelo abandono de conteúdos doentios, malignos e impeditivos a nossa saúde espiritual.

Nesse sentido, uma teologia árida, que discute o sexo dos anjos ou que se perde na competição para ter razão sobre um tópico da sistemática, não terá nada a dizer que possa socorrer a Igreja. Precisamos considerar o socorro do Senhor (Rm 8.26) em favor de uma virada necessária aos cristãos que vivem em sociedade, e aproximar os mecanismos que a Bíblia apresenta para enfrentarmos vitoriosamente a cultura da acomodação, do prazer a qualquer custo, e a ideia de que “merecemos” isso ou aquilo. Nós merecemos ser santos, porque Deus é santo (1Pe 1.16).

Isso pode parecer simplista demais, mas receio que por outro lado, modernizamos exageradamente e perdemos a simplicidade esperada de cristãos.

3. Como membros de Cristo e a Ele unidos

Em segundo lugar, temos o amparo das Escrituras sobre outra questão que contribui com a mudança na disposição pessoal do cristão. A cultura de nossos dias, um tempo que uns chamam pós-modernidade, outros chamam de modernidade líquida, entre outras tentativas de definição. Independente do enquadramento teórico que possamos dar, precisamos considerar que a Igreja tem refletido em maior grau a cultura que a cerca. Os membros e muitos oficiais da Igreja transitam por universidades e meios empresariais onde são expostos às formas de pensamento vigentes e a cultura popular, a corporativa e a malfadada “ética de mercado”. Esse contato intenso, diário e prolongado distraiu a muitos de nós e houve uma sucção cerebral. A cultura deste século levou a alma cristã até o centro do seu espetáculo e acendeu os holofotes sobre ela, fê-la sentir-se grande e poderosa. Seduziu-a. O cristão cumpriu o ritual de iniciação no secularismo e parece ter gostado.

Em seguida, essa alma foi devolvida para a Igreja, mas o seu comportamento já não era o mesmo de anteriormente. Já não pensamos em termos do fruto do Espírito como a riqueza própria para a alma cristã. Agora, é a técnica que nos estimula e encanta. Estamos admirados com as possibilidades de crescimento, de empoderamento, de representatividade, de condicionamentos emocionais. Produzimos e consumimos manuais e treinamentos em workshops, ávidos por todas as novidades que nos oferecem prometendo os reinos desse mundo (Mt 4.8-9).

Por outro lado, há autores produzindo artigos onde lemos críticas consistentes sobre a trajetória equivocada que a Igreja percorreu. A própria Teologia, já no século XIX, foi seduzida a mostrar-se relevante frente aos avanços da ciência, fortaleceu seus métodos racionais com a finalidade de se fazer compreendida e à altura do cientificismo vigente. Com isso, ela deixou de lado o melhor de si. Moltmann, o chamado “teólogo da esperança” (por causa de sua obra Teologia da Esperança), lamentou que o marxismo ofereça um futuro esperançoso sem ter um Deus, enquanto a igreja, que tem Deus, não fale mais sobre esperança.

É preciso reconsiderar os valores legítimos pelos quais devemos nos esforçar. Nós, que trilhamos os caminhos da reflexão teológica, precisamos cooperar com a Igreja para redescobrir o coração da fé cristã. Depois, precisamos tirar a poeira que está sobre ele para que volte a bater com vigor e ritmo.

A presença da Igreja, seja entre seus muros ou na sociedade ampla, só terá algum valor quando ela oferecer alternativa a uma cultura que cansa e massacra; a Igreja só justifica a sua presença numa sociedade, seja no Brasil ou na Indonésia, se ela for percebida como um organismo vivo e distinto, especialmente acessível aos que estão cansados e sobrecarregados (Mt 11.28).

Nesse conflito entre o desenvolvimento das virtudes cristãs e a relação aproximada com a cultura secular, cada membro do nosso corpo deve ser oferecido ao Senhor para a sua glória: “Não ofereçam os membros do corpo de vocês ao pecado, como instrumentos de injustiça; antes ofereçam-se a Deus como quem voltou da morte para a vida; e ofereçam os membros do corpo de vocês a ele, como instrumentos de justiça.” (Rm 6.13). Esse é outro aspecto do plano que evita nutrir sentimentos ou mesmo impedir que pensamentos impróprios cheguem às vias de fato, que, como vimos, são a raiz do comportamento.

4. Tenhamos um alvo

Por último, qualquer mudança exigirá a tomada de decisões. Na vida cristã, precisamos reconhecer a nossa total e completa dependência do Espírito de Deus. Nada podemos fazer sem ele (Jo 15.5). Até mesmo o nosso arrependimento depende da ação generosa do Senhor (Rm 2.4). Isso não nos exime de responsabilidade. Especialmente no Novo Testamento, onde encontramos o maior volume de textos doutrinários para a Igreja em toda a Bíblia, aprendemos que é preciso o envolvimento humano naquilo que cabe a cada cristão. Deus nos salva, mas somos nós que precisamos perseverar até o fim (Ap 2.10; 3.11; Mt 10.38).

Quando decidirmos seguir os passos de Jesus, empenhando-nos para sermos como Ele é (1Jo 2.6), precisaremos estabelecer metas pessoais de crescimento pessoal e definirmos um alvo claro, que é o próprio Senhor.

Estabelecer um alvo e conhecer metas que nos levem a mudanças de hábitos e que nos mantenham ocupados e com objetivos não é o mesmo que aderir a modelos que prometem milagres, como alguns vendilhões oferecem. O próprio Jesus disse ser necessário calcular o preço do discipulado (Lc 14.28). Pessoalmente, acredito que o alvo final de todo cristão deverá ser a santificação: “Esforcem-se para viver em paz com todos e para serem santos; sem santidade ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14). Mas o caminho para esse alvo deverá nos levar a mudanças de hábitos mais modestos, a cultivar pensamentos renovados (Rm 12.1,2) e a dedicação de nosso corpo como instrumento de justiça que almeje a santificação. Isso constituirá um tripé no plano para a mudança de padrões não-saudáveis e melhoria da qualidade de nossa vida cristã e testemunho dado socialmente.

Considerações finais

Há quanto tempo não ouvimos com frequência regular mensagens que nos façam refletir sobre os valores do discípulo? Aliás, a própria palavra “discípulo” tem desaparecido de nosso vocabulário. Ela e outras, como santificação, pecado, oração e jejum, arrependimento, justificação, glorificação, arrependimento e expressão “volta de Jesus”. Há uns anos, enquanto ministrava um estudo para oficiais em uma igreja tradicional na Grande São Paulo, perguntei o que era justificação e cerca de 15% de todos os obreiros presentes levantaram a mão, mostrando saber do que se tratava. Eram todos obreiros em uma igreja tradicional; imagine fazer a mesma pergunta em uma dessas igrejas neopentecostais, que pouco ou nada sabem sobre doutrinas básicas da fé cristã! A justificação foi o eixo em torno do qual ocorreu os eventos que envolveram Martinho Lutero e a Reforma Protestante no século XVI.

Como disse alguém, nós temos problemas, mas queremos respostas novas para nossos problemas velhos. Estamos ávidos por novidades e novas propostas para fazer a igreja crescer, mas certamente nunca na história brasileira a Igreja foi tão pouco relevante. Dentro desse quadro, teólogos, estudantes, professores, pastores e pesquisadores precisamos, todos, nos voltarmos para a seguinte realidade: a razão da nossa vocação sempre será a Igreja, de modo que o nosso trabalho e qualquer esforço que façamos deverá visar o benefício do povo de Deus, o crescimento e o fortalecimento de nossas bases humanas. A nossa teologia não servirá para nada se ela vier divorciada das verdadeiras demandas que as pessoas enfrentam em seus contextos, sofisticados ou simples, nas periferias dos grandes centros ou nos interiores ou nos centros mais ricos de nossas cidades.

Precisamos trabalhar teologicamente, considerando a prática de uma vida real que enfrenta quadros sociais deploráveis, altos índices de desemprego, de criminalidade, de aumento no número de famílias desestruturadas, divórcios, solidão, problemas morais. Nós deveremos dar conta ao Senhor da seara pelo dom recebido (Mt 25.19), então, compreendendo a especialidade de cada um (a área ou campo onde servimos), façamos o dever de casa, motivando-nos mutuamente a sermos uma Igreja que tenha virtudes para mostrar, não vícios. Precisamos, como responsáveis por equipar os santos para a obra do ministério (Ef 4.12), realizar a finalidade que o Senhor tinha em mente quando criou a nossa vocação.

Precisamos ser mais virtuosos.

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