Categoria - Educação/Pedagogia

PRINCÍPIOS DE LIDERANÇA ESPIRITUAL DAS SAUDAÇÕES DE PAULO

Nelson Gervoni

Falar sobre educação religiosa tem as mesmas bases pedagógicas da educação formal

Origem e pressupostos da didática

Começaremos falando sobre a origem e os pressupostos da didática. Antes, porém, é interessante entendermos o que mesmo é a didática. Inicialmente podemos conceituar a didática como o ato de sistematizar saberes, informações, ideias e conceitos e submeter isso a um método de forma a transformá-los em aprendizagem. Neste caso, a aprendizagem tanto é discente quanto docente, isso porque numa visão pedagógica atual o ato de aprender não é exclusivo do aluno, mas também do professor. Em outras palavras, numa compreensão moderna da educação o professor também aprende na relação de ensino-aprendizagem que mantém com o aluno. Há na Psicanálise um conceito que se aplica a esta ideia. Trata-se da transferência e contratransferência, fenômeno onde o analista não somente influencia o paciente, como é influenciado por ele. Jung disse que “Não se pode exercer influência se não se está sujeito à influência.”[2] Assim, na relação didática o professor influencia seus alunos e é influenciado por ele.

A palavra didática é de origem grega e significa “arte ou técnica de ensinar”. Marques[3] define didática como o “Termo que designa o procedimento cujo objeto é instruir pelo ensino. É considerada uma disciplina que reúne os instrumentos necessários ao professor para estruturar e realizar o processo de ensino”. Ele segue explicando que “Há uma didática geral e didáticas específicas”, sendo que estas “estão diretamente relacionadas com as especificidades do ensino de determinadas disciplinas ou áreas curriculares”.

2- João Amós Comênio: o fundador da didática moderna

A história da didática começa com João Amós Comênio (1592-1670). Pastor protestante da Igreja Morávia, Comênio foi educador, cientista e escritor checo e visto como o fundador da didática moderna. Em sua obra Didática Magna, datada de 1657, “[…] lança as bases para uma pedagogia que prioriza a ‘arte de ensinar’ por ele denominada ‘Didática’, em oposição ao pensamento pedagógico até então”, dominado pelas ideias conservadoras da Igreja Católica.[4]

Mas a didática teve outros nomes não menos importantes na sua história. Jean Jacques Rousseau (1712-1778), para quem a pedagogia deve levar em conta as necessidades imediatas da criança. Henrique Pestalozzi (1746-1827), que a partir das ideias de Rousseau considerou as dimensões sociais na educação. Foi ele quem primeiro defendeu que a didática deve ter como base os princípios e não as regras. Johann Friedrich Herbart (1766-1841) teve a influência de Comênio, Rousseau e Pestalozzi e, conforme afirma Libâneo, “desenvolveu uma análise do processo psicológico-didático de aquisição de conhecimentos, sob a direção do professor”[5].

Entretanto, foi Herbart quem deu um passo maior em termos didáticos, criando um processo de ensino organizado em quatro pontos, denominado método dos passos formais que, segundo ele, tinha que ser seguido rigorosamente. Os quatro passos propostos por Herbart são: (1) clareza tanto no preparo quanto na apresentação dos conteúdos a serem aprendidos; (2) associação das ideias antigas às novas, possibilitando um diálogo entro o novo e o velho; (3) sistematização e organização dos conhecimentos tanto na preparação quanto na apresentação; e (4) aplicação, que na compreensão de Herbart significava utilizar os conhecimentos através de exercícios e atividades.

O professor como pensador e pesquisador

Entre as muitas ações didáticas destacamos duas que devem ocupar lugar de importância, tanto no ensino formal quanto no religioso ou teológico: a reflexão e a pesquisa. Dito de outra maneira, o professor deve ser um pensador e, portanto, um pesquisador. A conjunção portanto é importante, pois não se concebe que um pensador — pelo menos no âmbito da educação — não seja também um pesquisador, pois a reflexão docente só se sustenta com a pesquisa. Mas alguém pode concordar com a relação que há entre reflexão e pesquisa, mas discordar que essas práticas se dão no campo da didática. Mas ocorre que mesmo que consideremos a definição mais simples de didática — “arte ou técnica de ensinar” — a reflexão e a pesquisa sempre estarão associadas a ela.

Escola sem ideologia – Há uma discussão bastante atual e que precisa ser considerada quando falamos do professor como um pensador. Trata-se da polêmica sobre a possibilidade e/ou necessidade de uma escola sem ideologia. Embora essa conversa seja mais acentuada na educação formal, não demora e ela ganha espaço na educação teológica ou religiosa. A reflexão que temos feito é que não há nada sem sentido como isso. Primeiramente porque ela fere um princípio de cátedra, de que o professor deve ser maduro o suficiente para exercer a docência com liberdade. Outro dado é que a defesa de uma escola sem ideologia já é, por si só, uma postura ideológica. Também vale salientar que,

A didática fundamental está alicerçada […] na multidimensionalidade do processo ensino-aprendizagem, ou seja, propõe a articulação das dimensões técnica, humana e política. Nessa perspectiva, a competência técnica e o compromisso político não se dissociam, e sim se interpenetram […] A ação do professor, portanto, precisa estar embasada numa estrutura que não separe os fins pedagógicos dos fins sociais.[6]

A reflexão docente – Ditas essas coisas, falemos mais especificamente sobre a reflexão e a pesquisa. Ser reflexivo não é só pensar sobre as coisas e discutir esses pensamentos com outras pessoas que, por sua vez, falam dos seus pensamentos. Isso é trocar ideias. A reflexão vai além disso. Refletir é pensar sobre a forma como nossos pensamentos são desenvolvidos, discutidos e disseminados.

A reflexão do professor deve avançar um pouco mais e atuar como geradora de novas ideias e conceitos. Na docência não podemos ser tímidos em criar novas ideias, conceitos e até neologismos. É óbvio que repetimos ideias de outros pensadores, mas sempre com as janelas da mente abertas para a criação do novo. Não desprezamos as narrativas dos grandes mestres, mas nos permitimos desenvolver narrativas próprias.

Mas essas novas ideias e conceitos não se dão isoladamente. Elas devem ser fruto das constantes mudanças da sociedade. Transformações culturais, educacionais e tecnológicas exigem do professor, a cada instante, um novo olhar, uma nova ideia, um novo conceito. Cabe ao professor refletir sobre as formas como seu ensino responderá às novas realidades. E se isso se aplica ao educador formal, quanto mais ao educador teológico. Afinal, este tem em mãos uma ferramenta não alcançada pela maioria docente: A Palavra de Deus.

O professor pesquisador – É a pesquisa que dará a sustentação à ação reflexiva do professor. Mas, assim como refletir não é somente pensar, pesquisar não é somente ler. A pesquisa se vale da leitura, mas esta deve ser sistematizada, apurada, estruturada e com critérios muito bem definidos. Sem cerimônia alguma podemos dizer que, no caso do professor, se trata de um trabalho de metodologia científica.

Ocorre que há no senso comum acadêmico a ideia de que só devemos fazer pesquisa com tais características quando somos alunos, principalmente da graduação ou pós-graduação. É fato que os cursos de graduação e pós-graduação lato-sensu (especialização) têm exigido muito pouco de seus alunos nesse campo, ficando a “responsabilidade” pela formação do pesquisador científico para os cursos de stricto-sensu (mestrado e doutorado). Entretanto, é dever dos cursos de graduação preparar seus alunos para a jornada científica e, mais ainda, é dever do professor aprimorar-se cada vez mais nessa tarefa.

Planejamento pedagógico X plano de ensino

Seria ideal analisarmos cada um desses dois assuntos — planejamento pedagógico e plano de ensino — separadamente. Entretanto, como há certa confusão entre o que é um e outro, e como há quem pensa que ambos são a mesma coisa, vamos vê-los num mesmo tópico para bem distingui-los.

Planejamento pedagógico – Começaremos dizendo que o primeiro, planejamento pedagógico, é mais abrangente, pensado, desenvolvido e realizado no macro. É um trabalho para toda a escola (ou faculdade teológica, no nosso caso) e envolve a equipe gestora — diretoria, coordenação, administrativo —, além do corpo docente. São comuns as realidades onde alunos e comunidade atuam no desenvolvimento do planejamento pedagógico. Mas o que justifica o envolvimento de tanta gente da escola no planejamento pedagógico? A resposta é que, como já se disse, na escola todo espaço é pedagógico. Fusari cita Saviani, para quem

Pode-se, pois, afirmar que o planejamento do ensino é o processo de pensar, de forma “radical”, “rigorosa” e “de conjunto”, os problemas da educação escolar, no processo ensino-aprendizagem. Conseqüentemente, planejamento do ensino é algo muito mais amplo e abrange a elaboração, execução e avaliação de planos de ensino.[7]

Fusari explica o planejamento pedagógico como o processo que envolve “a atuação concreta dos educadores no cotidiano do seu trabalho pedagógico, envolvendo todas as suas ações e situações, o tempo todo, envolvendo a permanente interação entre os educadores e entre os próprios educandos”.[8]

Plano de ensino – Já o plano de ensino tem seu foco mais fechado e se restringe ao que o professor fará numa determinada disciplina ou matéria. É um trabalho feito a partir do currículo, geralmente já definido anteriormente, buscando atender objetivos e expectativas de aprendizagem da disciplina. O plano de ensino contém os temas e assuntos que devem ser abordados pelo professor durante a duração disciplina. Falando mais tecnicamente, o plano de ensino contém a ementa da disciplina, também chamado de conteúdo curricular. A ementa contém os objetivos da disciplina, seu conteúdo, o método de ensino utilizado — aulas serão expositivas, trabalhos em equipe, dinâmicas etc. — os critérios de avaliação e a bibliografia utilizada.

Podemos dizer que o plano de ensino deriva do planejamento pedagógico e fornece as bases para que o professor elabore os planos de aula. Note que estamos falando de três coisas distintas: (1) planejamento pedagógico; (2) plano de ensino; e (3) plano de aula. Analisamos as duas primeiras e agora abordaremos a terceira.

Plano de aula – São muitas as metodologias disponíveis para o desenvolvimento de um plano de aula, entretanto, nesse artigo privilegiamos o método chamado Alinhamento Construtivo, devido à sua abrangência e modernidade, como veremos a seguir.

 

Teoria do Alinhamento Construtivo

A teoria do Alinhamento Construtivo foi desenvolvida por John Biggs como uma maneira de planejamento didático de tal forma que as ações de ensino e avaliação estejam atenciosamente alinhadas e, os alunos sejam envolvidos ativamente para o alcance dos resultados pretendidos da aprendizagem.[9] O envolvimento ativo do aluno é condição sem a qual não haverá aprendizagem, pois segundo Ralph W. Tyler é o que ele faz que ele aprende, e não o que o professor faz.

O Alinhamento Construtivo tem suas raízes no Construtivismo e na Teoria do Curriculum. Raízes estas que são manifestas no próprio nome. O Construtivismo é entendido por Biggs […] como a base para pensar sobre o ensino, pois enfatiza a construção do conhecimento a partir das atividades realizadas pelos estudantes. Assim, o termo Construtivo refere-se a ideia de que são as atividades realizadas pelos estudantes que definem o que é aprendido e Alinhamento é um princípio da Teoria do Curriculum que diz que as tarefas da avaliação devem estar alinhadas ao que se pretende que seja aprendido. Desta forma, ensino e avaliação devem estar alinhados aos resultados pretendidos da aprendizagem […][10]

No Alinhamento Construtivo, o docente não começa o seu plano de aula pensando o que vai ensinar, como ocorre com a maioria dos professores. Ao contrário, ele inicia se perguntando quais resultados deseja alcançar com a sua aula. Em outras palavras, para pôr em prática o Alinhamento Construtivo o professor deverá:

(1) Definir os resultados pretendidos da aprendizagem; (2) Planejar atividades de ensino e aprendizagem capazes de possibilitar aos estudantes o alcance dos resultados pretendidos; (3) Elaborar a avaliação de tal modo que seja possível verificar quão bem os estudantes corresponderam ao que era pretendido.[11]

Biggs fala de um alinhamento para o plano de aula, mas podemos falar de um alinhamento maior e mais abrangente, que trará melhores resultados para a aprendizagem e que podemos chamar de planejamento alinhado. Trata-se de uma forma que liga e alinha todas as etapas do planejamento, desde o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) até a aula ministrada pelo professor. Assim, o Projeto Político Pedagógico (PPP), documento elaborado para nortear todas as ações da escola, dá suporte ao planejamento pedagógico. Este, por sua vez fornece as diretrizes do plano de ensino que, por fim, viabiliza as bases do plano de aula.

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[1] Nelson Gervoni é pastor anabatista. Tem formação em Teologia, Pedagogia e Psicanálise. É pós-graduado em Relações Interpessoais na Escola e doutorando em Humanidades, Artes e Ciências da Educação.

[2] YOUNG-EISENDRATH e DAWSON, 2011, p. 55.

[3] MARQUES, ano?, p. 35.

[4] DAMIS, 1998, p.17.

[5] LIBÂNEO, 1994, p.60.

[6] ULBRA, 2007, p.19.

[7] FUSARI, 1990, p. 45.

[8] Idem, 1988, 52.

[9] MENDONÇA.

[10] Idem.

[11] MENDONÇA.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DAMIS, O. T. Didática: suas relações, seus pressupostos. In: VEIGA, I. P. A. (Org.). Repensando a didática. 13.ed. Campinas: Papirus 1998.

FUSARI, José Cerchi. O papel do planejamento na formação do educador. São Paulo: SE/CENP, 1988.

______. O planejamento do trabalho pedagógico: algumas indagações e tentativas de respostas. Série Ideias, v. 8, p. 44-53, 1990.

LIBÂNEO. J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.

MARQUES, R. Dicionário breve de Pedagogia. Portugal. Ano??

MENDONÇA, A. P. Alinhamento construtivo: fundamentos e aplicações. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas.

YOUNG-EISENDRATH, P. e DAWSON, T. (Orgs.) Compêndio da Cambridge sobre Jung. São Paulo: Madras, 2011.

ULBRA. Didática: organização do trabalho pedagógico / [Obra] organizada pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra). Curitiba: Ibpex, 2007.

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